Ok, marketing. Parece algo simples, não é mesmo?

Nas disciplinas que leciono sobre o tema, sempre começo a primeira aula com uma pergunta: o que é marketing pra você? E faço questão de ouvir a resposta de todos. De fato, todos nós já ouvimos termos como “jogada de marketing” e coisas do tipo, né? Bom, a verdade é que por trás desse jargão popular, existe muita estratégia, ou pelo menos, deveria existir.

Antes de mais nada, é importante entendermos que marketing não necessariamente tem a ver com comunicação. Essa associação do marketing com a publicidade ou com a propaganda (que essas sim, são ferramentas de comunicação) é comum mas devemos ver a comunicação enquanto um braço do marketing, sendo que ele tem diversos outros braços.

Como assim, Bei? Veja: primeiro, precisamos desfazer essa associação de que marketing necessariamente está atrelado a publicidade. Aí fica mais fácil de entender se visualizarmos um guarda-chuva, que são as ciências sociais aplicadas. Dentro dela temos outro guarda-chuva, que seria a administração, e dentro da administração, mais um, que é o marketing. Dele, como eu já disse, temos vários braços e, falando rapidamente aqui, de cabeça, só pra termos uma ideia, marketing pode englobar muuuita coisa. Seu objetivo geral, embora exista diversas definições, pode ser entendido como uma proposta para aumentar a lucratividade e/ou diminuir custos de uma organização, bem como gerar valor para ela em relação à sociedade. Para alcançar esses objetivos, há uma série de processos e áreas que podem ser consideradas como braços do marketing. Por exemplo: inovação, pesquisa e desenvolvimento, pesquisa de mercado, cadeia de produtos, validação, distribuição e logística, inteligência de negócios, branding e valorização de marca, precificação de produtos e serviços, trade marketing e ação no pdv, marketing voltado para outras empresas, o famosos b2b, que significa business to business, recrutamento, aquisição e desenvolvimento de talentos, marketing interno e endomarketing e muitas outras áreas e campos, dentre eles, a parte de comunicação, que pode se dividir em mercadológica ou institucional e é nesse braço que temos a parte de publicidade, criação, planejamento de mídia etc etc.

Agora que já temos uma noção do que se trata o marketing, vamos fazer uma viagem no tempo e voltar para, aproximadamente, 40 mil anos atrás, quando nossos ancestrais criaram a primeira mídia: a pintura rupestre! Ok, ok… isso é um processo comunicacional e tanto, mas não tinha os objetivos mercadológicos do marketing. Bom, então, apesar da menção honrosa aos esforços do homem do paleolítico, o crédito para o surgimento de práticas que se enquadram em processos de marketing é um pouco mais recente, aproximadamente 1000 a 1500 anos antes de Cristo, há registros de vendedores de doces chineses, que tocavam flautas e outros instrumentos para atrair mais clientes. Daí em diante, temos registros de práticas em diversas regiões, como Egito Grécia e Roma Antiga, entre outros.

Porém, uma coisa bem interessante é que, o marketing enquanto um processo estruturado passou a ser estudado apenas no século XX! Pois é, apesar de que desde a Idade Média até a modernidade termos passado por diversos avanços na comunicação, como por exemplo a invenção da prensa de Gutemberg, o marketing só se torna um campo de estudo ou uma área do conhecimento no começo do século, como uma consequência da segunda revolução industrial.

Paralelamente as primeiras teorias da comunicação, que visavam compreender os efeitos dos processos comunicacionais na publicidade, estudiosos e profissionais começam a pensar em como fazer as marcas e empresas conseguirem maior competitividade. Para conseguir isso, o foco era melhorar cada vez mais a linha de produção, aumentando a velocidade, diminuindo perdas etc. As pessoas queriam comprar e as marcas queriam vender, logo, quanto mais rápido fosse a produção, mais rápido as vendas aconteceriam. Aqui, o marketing era visto como uma estratégia para aumentar lucratividade e otimizar a produção, sempre, visando oferecer preços mais baixos e ganhar no volume de vendas.
As estratégias de comunicação dessa primeira era do marketing moderno, acreditavam que se a mensagem chegasse corretamente ao destinatário, provavelmente ela cumpriria sua missão, de estimular a compra, causar o desejo etc.

É interessante traçarmos esse paralelo entre as eras do marketing e as correntes ou escolas de comunicação que estavam em voga na época.

Bom, quando falamos do Marketing considerado 2.0, o foco passa a ser na qualidade e não mais apenas na velocidade e capacidade de distribuição. Isso se dá graças a era da informação. Se fôssemos enquadrar isso num recorte temporal, poderíamos considerar que o Marketing 2.0 teve sua ascensão durante as décadas de 70 e 80 onde uma parte notável dos lares já possuía acesso a diversas mídias como rádio, TV, telefone, jornais, revistas etc.

Esse acesso à informação a partir de diversas fontes, cria uma espécie de crivo mais apurado nos indivíduos em relação ao marketing. As pessoas passam a não engolir mais qualquer coisa que o comercial transmite, como era feito até então. Dessa forma, os estrategistas de marketing precisam pensar em novas formas de chamar a atenção do público. Mas antes de chegar lá, é importante que quando falo de crivo apurado, definitivamente não estou falando de senso crítico, ok? Esse período, inclusive, de ascensão da televisão e outras mídias, é considerado por muitos estudiosos da comunicação a era em que mais se aliena a população a partir do bombardeio de informações. O famoso “american way of life”, o combate ao comunismo e tantas outras groselhas da propaganda política ganharam uma força muito grande quando esses ideais foram difundidos pelos grandes meios de comunicação em massa.

Além disso, se voltarmos ainda mais um pouco no tempo, a teoria crítica, ou escola de Frankfurt, traz discussões interessantes em relação à mídia como um instrumento de futilização dos indivíduos. Eu particularmente gosto muito da teoria crítica e não só do Adorno e Horkheimer, que aprendemos na faculdade, mas especialmente da obra de um camarada chamado Walter Benjamin. Recomendo bastante que vocês leiam “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”! Vou deixar os links ao final do texto. Mas é bem legal o contraponto que ele faz a Adorno, que via a popularização da arte como algo terrível, pois tudo vira enlatado e esvaziado de significado. Benjamin, por sua vez, via um efeito colateral muito benéfico da massificação da arte, algo que, historicamente, sempre foi restrito aos mais ricos, que era justamente poder levar a arte para as massas. Em outras palavras, numa releitura atual, Adorno e Horkheimer diziam que é ruim massificar a música, porque surgem coisas tipo sertanejo universitario. Já o Benjamin, apesar de reconhecer que o sertanejo universitário não tem qualidade, defendia que é melhor ouvi-lo do que não ter acesso a música alguma.

Bom, certamente há controvérsias e certamente não existia sertanejo universitário na época, mas vamos continuar aqui, Marketing 2.0.

Como as pessoas tinham mais acesso à informação e a concorrência em todos os segmentos da indústria e comércio crescia de maneira absurda, as marcas tiveram que criar fatores de diferenciação para garantir a escolha na hora de compra. Apenas vender o mais barato ou com melhor custo-benefício, por assim dizer, não importava mais. E uma das formas de fazer isso, era atendendo ao que o cliente queria e não apenas ao que ele precisasse. Ou seja, o seu desejo, e não somente sua necessidade. Isso deu início a segmentação tanto de produtos como de canais de distribuição. Nas décadas de 70 e 80, vale ressaltar, que surgiram diversas modalidades de vendas, além da venda porta a porta e nas lojas. Um exemplo eram as televendas ou ainda, o anúncio dos produtos na TV e a conclusão dessa compra no telefone. Quem é um pouquinho mais velho aí certamente se lembra do telefone 0111406, onde você podia comprar facas Ginsu 2000 e Meias Vivarina. Para quem é mais novo, essa empresa foi nada menos que a precursora da polishop!

Essa necessidade de segmentação pode ser considerada o ápice do consumismo moderno. Veja, se antes tínhamos apenas calças jeans de uma cor, quando surgiram 738 tonalidades de calças jeans, nós, profissionais de marketing, ajudamos a criar uma demanda inexistente, que é a suposta necessidade de comprar algo que já temos, apenas por ter uma personalização diferente. Um exemplo são capinhas de celular. Imaginem que elas poderiam ser todas pretas. Cumpririam seu papel, proteger o smartphone, certo? Mas sabemos que não é assim que funciona. E isso é o Marketing 2.0

Certo. O Marketing 3.0, como Philip Kotler em seu livro lançado em 2009, pode ser considerado o marketing voltado para as relações sociais e os valores dos indivíduos. Vale ressaltar que ainda na era do Marketing 2.0, nós passamos pela transformação mais significativa na história da comunicação, que foi justamente a popularização da internet. Tem um carinha, inclusive, chamado Marshall Mcluhan, que fala dos fenômenos esperados para esse tipo de tecnologia, que ele define como “aldeia global” e posteriormente “teia global”, ele dizia que as tecnologias tendem a encurtar distâncias e o progresso tecnológico tende a reduzir todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estariam, de certa forma, interligados. Grande coisa, você pode pensar. Mas você está errado, amiguinho! O cara era tão fodástico que ele fala disso em 1962, em uma de suas principais obras, A Galáxia de Gutenberg.

A internet trouxe novas demandas e mudou para sempre a forma de como nos relacionamos, seja com empresas ou com marcas.

E é neste conceito, na efervescência das mídias sociais e teias globais sendo construídas a todo vapor, que Kotler defende esse conceito de Marketing 3.0. O foco deixa de ser no produto como era no 1.0, deixa também de ser nas supostas necessidades do cliente, como era no 2.0 e passa a tentar compreender o ser humano em sua totalidade, se é que isso é possível. Pela visão do Marketing 3.0, as pessoas não querem mais se relacionar com empresas, mas sim com outras pessoas, por isso é importante que as marcas passem a ter características mais humanas e menos formais. O conceito de humanização de marca, aliás, vai muito além disso, e quem sabe não rende um post só pra ele não é mesmo? Mas é por aí que devemos pensar: ninguém mais liga pros famosos B2C ou B2B, o que realmente funciona é H2H ou seja, human to human. Pensa comigo, não é muito mais legal falar no chat do Nubank ou da Netflix do que naquele banco chato ou na operadora de TV convencional?

Obviamente não é apenas o relacionamento que coloca essas marcas na vanguarda, a experiência completa dos produtos e serviços precisa ser boa.

Bom, o último conceito abordado, é o Marketing 4.0, que possui uma janela temporal muito menor do que os outros estágios do marketing, se o 3.0 surgiu em meados de 2009, 2010, o 4.0, é de 2017. Na real, ele não representa uma ruptura tão grande quanto a versão anterior em relação às antecessoras (Marketing 1.0 e 2.0). Eu diria que está mais para uma versão revisada do Marketing 3.0, mas, vamos ao conceito chave deste termo. Com livro de mesmo nome, e também de Kotler, porém com participação de Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan, consultores e autores na área de marketing e relacionamento. Este livro fala da importância das empresas migrarem para o digital. A obra defende que durante o processo de jornada de compra, dificilmente o on-line não será ativado e que esse é um canal extremamente efetivo para esse processo. Até aqui, nenhuma novidade!

Mas o que é legal que eles abordam ao longo do livro, é que
1. Há um senso de comunidade muito grande no meio on-line e que se expande para o off-line e ele é fator determinante para que as compras ocorram e…
2. pessoas querem, além de bons preços, boas funcionalidades e bom relacionamento. Comprar de marcas que ofereçam valores compatíveis com os seus. Isso pode soar um pouco controverso, pois as marcas querem vender cada vez mais, não é?

Ufa! Chegamos ao fim de mais um post! E fazendo um adendo aqui, lembra do chinesinho que tocava flauta para vender seus doces? Mal sabia ele que passaríamos por séculos de desenvolvimento e estudos de marketing e negócios para concluirmos que sua estratégia DE OFERECER VALOR PRIMEIRO é o que há de mais refinado no marketing tradicional! Ofereça valor. Conquiste o seu cliente pelo coração (ou pelos olhos) e não pelo bolso e veja a mágica acontecer!

É isso aí pessoal! Muito obrigado por lerem até aqui! Lembrando que você pode compartilhar esse conteúdo e nos enviar o feedback. Nos vemos na próxima? Até mais!

 

Fontes, inspirações e recomendações!